TEMPORADA DE PESCA

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A comunicação através de tecnologia limitada

Um mar de possibilidades para se expressar

Em 19 de Abril 1969, o famoso escritor Vladimir Nabokov, conhecido pelo infame livro Lolita, foi convidado para uma entrevista pelo jornal The New York Times. Em meio de diversas perguntas feitas pelo jornalista Alden Whitman, em um momento ele questionou onde o escritor se posionava entre os escritores contemporâneos e do passado. A resposta de Nabokov foi a seguinte: “Muitas vezes penso que deveria existir um símbolo especial tipográfico para um sorriso—algum tipo de marca côncava, um colchete redondo supino, que eu gostaria de traçar em resposta a sua pergunta.”

Em outras palavras, talvez Nabokov desejava responder a pergunta assim: :-). Porém, como a data da entrevista possa lhe sugerir, esse tipo de símbolos tão familiar para nós era apenas um conceito na época de Nabokov. É claro, não se pode assumir que o escritor tenha sido a primeira pessoa no mundo a imaginar o uso de símbolos do alfabeto para expressar algo além de palavras; existem sim exemplos de elementos gráficos sendo utilizados como uma forma expressão, ou melhor, como uma forma de arte, era sua interpretação quando foram feito.

Figura 1 - Arte tipogáfica

Kurjer Warszawski, 1881

"Cada uma dessas inter-relações das partes é um ponto de “interface”, ou seja: o dispositivo físico ou lógico que faz a adaptação entre dois sistemas. As interfaces precisam ser projetadas."

(Cardoso, 2010, pg. 92)

Mesmo que Nabokov não seja capaz de receber crédito por ser o primeiro a ter tal ideia, há outra pessoa que recebe sim o crédito pelo primeiro símbolo que chamamos de Emoticon atualmente.

Scott Fahlman recebe o crédito por esta criação. De acordo com seu relato, por volta de 1982, as redes de comunicação de sua universidade, já possuíam um problema constante da internet: como diferenciar entre quem está falando sério e quem está brincando sem sinais óbvios como o tom de voz e a expressão facial?

"[...] mesmo que você ficasse calado o tempo todo. Suas expressões faciais, os movimentos dos olhos, a linguagem corporal estariam enviando um constante fluxo de informação sobre seu estado interno — sinais que intuitivamente eu perceberia e interpretaria."

(Johnson, 2001, p.146)

A solução para esse dilema precisava ser capaz de utilizar nos sistema primitivo de rede na época, ou seja, fotos ou qualquer outro método que dependesse de elementos além de texto e digitação estava fora de questão. Logo, a solução de Fahlman para o problema de comunicação veio de forma simples: para indicar que o autor da mensagem está brincando, se utiliza :-), para indicar que o autor da mensagem está sério, se utiliza :-(.

Assim, este simples sistema de comunicação acabou por se espalhar por universidades americanas, sendo alterado e adaptado para mais formas de expressão. Estas figuras receberam o nome de Smileys, mas também foram chamadas de Emoticons, uma fusão das palavras Emotion e Icon.

Porém, não foram apenas os americanos que participaram do desenvolvimento. Por volta de 1986, um serviço de internet conhecido como ASCII.NET criaria sua própria figura na internet japonesa, independentemente do que fora criado pelos americanos, permitindo assim uma perspectiva em outras possibilidades de se expressar pela internet. O símbolo creditado como o primeiro Kaomoji, 顔文字 (traduzido como “caracteres facial”) seria a figura ( ^▽^ ), creditada a autoria de Wakabayashi Yasushi.

A partir disso, milhares de outras figuras foram criadas para expressar inúmeras situações. Tem aqueles que expressão algo usual como felicidade O(≧∇≦)O ,alguns outros expressam emoções mais negativas como raiva (`Д´), ou tristeza ( ; - ;). E não para por aí, alguns sites afirmam possuir mais de 10.000 desses símbolos, alguns feito para as mais específica situações e com variados graus de complexidade demonstrada por diversos simbolos, por exemplo: esta figura (╯°□°)╯︵ ┻━┻ expressa a ação de jogar a mesa em um momento de frustração, enquanto esta !(#゚Д゚)ゞ‥・・━━━━━━旦~☆))`ω゚)・;’. reflete alguém que acabou de roubar o copo de chá de outra pessoa.

Os Kaomoji mostram que as possibilidades de se expressar além do :-) e :-( que em comparação a versatilidade apresentada pelos Kaomoji, parecem básicos e limitados.

“Como conceber que um sistema gerado por nós humanos – ou seja, algo artificial – possa vir a ser tão maior do que nós que ficamos imersos nele, sem possuir ao menos a possibilidade de enxergar os limites da rede que nos enreda?”

(Cardoso, 2010, pg. 99)

Mas isso em parte, inicialmente iremos buscar entender como é a anatomia de um Kaomoji. Primeiro, quais seriam os elementos mais básicos de um Kaomoji? Para esse exercício, retornaremos ao símbolo dito como o original ( ^▽^ ). A maioria dos Kaomoji começam pela utilização de parênteses (), apesar de existir sim aqueles que utilizam colchetes e chaves para criar a forma, o intuito desses elementos seria de formar o que poderíamos interpretar como a cabeça ou o corpo inteiro da figura. Após isso, alterações são feitas baseado na emoção que se busca expressar.

Usualmente, a felicidade é expressa por meio do acento circunflexo (^) ou por conjunto do símbolo maior que (>) e (<); apesar de ter os olhos fechados parecer uma forma incomum de mostrar felicidade para nós, como uma das grandes influências para a popularização do Kaomoji fora mídia como mangá, boa parte dos Kaomoji refletem a estilização criada por essas formas de entretenimento.

Mas talvez, você não queira expressar felicidade, como expressar tristeza, então? Bem, uma forma bem simples de alcançar isso, seria utilizar a letra t, tanto em maiúsculo ou em minúsculo, para expressar alguém chorando, como exemplo (TT), apesar que assim não se parece muito com um rosto, pelo menos até adicionarmos outro elemento. Adicionando um ponto final (T . T), que pode ser interpretado como um nariz ou uma boca. Seguindo essa fórmula podemos montar outras expressões, como raiva (`ー´), ou confusão (o_O), ou frustração (-_-).

Claro, com a habilidade de se expressar de diversas formas diferentes pode resultar em interpretações igualmente diversas. Anteriormente, se falou brevemente que olhos fechados (^_^) são interpretados como uma expressão de felicidade graças a cultura de mangás, mas será que essa interpretação seria compreendida de forma apropriada por alguém separado do contexto original? Para muitos a resposta seria não. Isso também explicaria o porquê de apesar de possuírem diversas possibilidades, os Kaomoji aparentam serem um artefato exclusivo do Japão.

Outra questão que possam desenvolver: seria Kaomoji uma forma verdadeiramente prática de se comunicar? Eles de fato possuem uma grande variedade, mas muitos requerem símbolos que não se encontram na maioria dos teclados internacionais. Esta figura (#`Д´) apresenta uma letra do alfabeto cirílico, muitas vezes exclusivo da Rússia e regiões próximas, logo, essa versatiliade não seria contra a proposta do próprio Emoticon? Não seriam todos esses elementos negativos contra a proposta inicial de facilitar a comunicação digital?

“Visto que somos capazes de depreender tão rapidamente tantas informações a partir da forma de um objeto, vale inverter a questão e perguntar se os artefatos são passíveis de perder seus significados – de se tornar inescrutáveis, opacos, por assim dizer.”

(Cardoso, 2010, pg. 68)

Bem, em comparação com as formas de comunicação presentes na atualidade, os Kaomoji podem de fato não serem os mais eficientes. A maior parte dos celulares na atualidade podem confortavelmente postar imagens em um tempo razoável para a velocidade que conversas virtuais requerem—além de possuírem seu próprio sistema para suprir a necessidade de Emoticon, e consequentemente Kaomoji. Os Emojis, também invenção japonesa, podem não ser tão diversos quanto os Kaomoji, mas é inegável que eles apresentam mais praticidade para se utilizar: um simples toque na tela é o bastante para se expressar ao invés de precisar cuidadosamente montar uma figura utilizando do que o seu teclado for capaz de oferecer.

(・・;)ゞ Ainda assim, estamos ignorando um fator relevante para a popularidade do Kaomoji: cultura. Já se foi explicado como o Kaomoji foi criado, o por que dele ter sido popularizado, mas por quem ele foi popularizado?

Muitas fontes darão o crédito de sua popularidade aos fóruns de internet japoneses conhecidos como 2channel (ou 2chan), muito utilizados na cultura Otaku, e com o foco principal em animes e mangás (¬_¬;) mas tratá-los como a única causa para sua popularidade seria reducionista.

Foi mencionado brevemente a existência dos Emojis, mas a história destes dois está mais envolvida do que aparente (⌒▽⌒)♡. Como? Bem, os emojis foram, em parte, a razão para a popularização do SMS no Japão. Na década de 90, o Pocket Bell era o pager mais popular entre jovens garotas japonesas (°(°ω(°ω°(☆ω☆)°ω°)ω°)°); o modelo não só era o mais barato dentre os outros métodos de comunicação portátil, como também oferecia um pequeno e adorável Emoji que pode ser reconhecido por todos: ♥.

As usuárias do Pocket Bell, permitiram a popularização do SMS ao adotarem o sistema de leitura do pager. Tradicionalmente, o japonês é lido da direita para a esquerda, de cima para baixo, o que se mostrou um desafio para a população quando seus métodos de comunicação virtual, como o pager e SMS, eram lidos da esquerda para a direita (‘⊙_⊙). Inicialmente, emojis popularizados pelo Pocket Bell foram desenvolvidos com o intuito de atrair o demográfico feminino, assim associando os diversos símbolos a cultura digital feminina inicialmente (^_-)≡☆.

A mesma lógica se aplica aos Kaomoji (´• ω •`)ノ. Celulares flip japoneses começaram a vir com Kaomoji pré-digitados com o puro intuito de serem utilizados para SMS, e claro, para atrair o demográfico feminino que desde da década de 70 possuía uma alta afinidade por tudo que elas consideravam fofo ヽ(∀° )人( °∀)ノ . Utilizando dessa cultura fofa, que era muitas vezes criticada por pessoas mais velhas por não seguir o ideal do que uma esposa deveria ser, para se comunicarem de uma forma mais independente ☆ミ(o*・ω・)ノ.

Figura 2 - Celular NTT DoCoMo

Karl Baron, 2009

Na atualidade, a cultura de fofura no Japão remete pouco as suas origens rebeldes (  ̄ー ̄), mas um elemento ainda é compartilhado entre os dois: fofura. E esta é a principal causa para a utilização do Kaomoji, apesar da oferta de melhores opções. (ノ= ⩊ = )ノ se você encontrar esses símbolos na internet atual, a principal razão para eles estarem lá provavelmente seria porque o autor daquela mensagem os achou fofos (「• ω •)「.

Os Kaomoji não são mais o reflexo de uma cultura jovem desenvolvendo seus próprios métodos de comunicação com os pouco que lhe era oferecido, mas quem estiver buscando uma alternativa adorável para a meta comum se expressar, ainda pode contar com eles ( ^▽^ ).


Texto desenvolvido por Isadora Cruz da Silva para a disciplina Teoria do Design - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Departamento de Design - 2024. O texto colabora com o projeto de extensão “Blog Estudos sobre Design”, coordenado pelo Prof. Rodrigo Boufleur (http://estudossobredesi.blogspot.com).

Fontes

CARDOSO, Rafael. Design para um mundo complexo. 2010. Acesso em: 19 ago. 2024.

FAHLMAN, Scott. Smiley Lore :-). 2002. Disponível em: https://www.cs.cmu.edu/~sef/sefSmiley.htm. Acesso em: 19 ago. 2024.

GIANNOULIS, Elena. Emoticons, Kaomoji, and Emoji: The Transformation of Communication in the Digital Age (Routledge Research in Language and Communication). Routledge, 2019. Acesso em: 19 ago. 2024

JOHNSON, Steven. Emergence: The Connected Lives of Ants, Brains, Cities, and Software. 2001. Acesso em: 19 ago. 2024

TEMPLE, Emily. Of course Vladimir Nabokov imagined emoticons over a decade before they were invented. Literary Hub, 2021. Disponível em: https://lithub.com/of-course-vladimir-nabokov-imagined-emoticons-over-a-decade-before-they-were-invented/. Acesso em: 19 ago. 2024.

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